- Atraso no envio da prestação de contas parciais e desaprovação de contas de campanha
Em julgado relativo às Eleições 2018, o Tribunal Superior Eleitoral entendeu que o atraso no envio das prestações de contas parciais não enseja desaprovação automática das contas de campanha, cabendo à Justiça Eleitoral analisar as justificativas e as consequências dessa irregularidade.
Trata-se de agravo regimental interposto contra decisão monocrática que negou seguimento ao agravo de instrumento manejado contra a inadmissão de recurso especial. No caso, diante do atraso no envio dos relatórios parciais, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) aprovou, com ressalvas, as contas de campanha prestadas por candidata ao cargo de deputado federal nas Eleições 2018.
No recurso especial, o Ministério Público pugnava a reforma do acórdão, para que as contas fossem julgadas desaprovadas, balizada na intempestividade da apresentação das contas parciais.
A legislação eleitoral incumbe aos partidos políticos, às coligações e aos candidatos o dever de apresentar relatórios parciais referentes à arrecadação e aos gastos de recursos na campanha. Por oportuno, reproduz-se o teor do art. 28, § 4º, incisos I e II, da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições):
Art. 28. A prestação de contas será feita:
[…]
§ 4º Os partidos políticos, as coligações e os candidatos são obrigados, durante as campanhas eleitorais, a divulgar em sítio criado pela Justiça Eleitoral para esse fim na rede mundial de computadores (internet):
I – os recursos em dinheiro recebidos para financiamento de sua campanha eleitoral, em até 72 (setenta e duas) horas de seu recebimento;
II – no dia 15 de setembro, relatório discriminando as transferências do Fundo Partidário, os recursos em dinheiro e os estimáveis em dinheiro recebidos, bem como os gastos realizados.O Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, relator, afirmou que o atual entendimento do TSE é no sentido de que o atraso no envio dos relatórios financeiros (e das contas parciais) ou a sua entrega com inconsistências não conduzem, necessariamente, à desaprovação
das contas.Pontua que deverão ser aferidos, no exame final das contas, caso a caso, a extensão da falha e o comprometimento no controle exercido pela Justiça Eleitoral.
Consignou que, com base no acórdão de origem, somente dois relatórios financeiros foram apresentados a destempo e, mesmo assim, com apenas um dia de atraso. Nesse contexto, entendeu pela inexistência de gravidade suficiente a ensejar a desaprovação das contas.
O Ministro Edson Fachin acompanhou o relator quanto à solução do caso concreto. No entanto, pontuou que a prestação de contas parcial, além de assegurar a transparência das contas, possui viés informativo, na medida em que auxilia na formação da convicção do eleitorado.
Destarte, afirmou que a omissão de informações em prestações de contas parciais e relatórios financeiros acarreta prejuízo irreparável à formação da vontade do eleitor e constitui gravidade suficiente para autorizar a desaprovação das contas de campanha, a depender do não acolhimento das justificativas apresentadas e do comprometimento da transparência. Entretanto, deve ser analisado caso a caso.
(Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 0600055-29, Florianópolis/SC, rel. Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 12.12.2019).
É possível a caracterização, em decorrência de atos praticados durante o período de pré-campanha, dos ilícitos eleitorais previstos no art. 22, XIV, da Lei Complementar n° 64/1990 – abuso de poder econômico – e no art. 30-A da Lei n° 9.504/1997 – arrecadação e gastos ilícitos de recursos.
Na mesma oportunidade, o Plenário afirmou que a cassação da chapa eleita para o cargo majoritário de senador da República enseja a renovação do pleito, salvo se restarem menos de 15 meses para o término do mandato, nos termos do art. 56, § 2º, da Constituição Federal (CF)/1988.
Trata-se de Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) propostas em desfavor de candidata eleita para o cargo de senador da República e de seus suplentes, por abuso de poder econômico, bem como arrecadação e gastos ilícitos de recursos praticados tanto no período pré-eleitoral quanto no eleitoral.
Na origem, o TRE cassou os diplomas da senadora e do primeiro e da segunda suplentes, declarando os dois primeiros inelegíveis por oito anos, por reconhecer a prática de abuso do poder econômico e a violação das regras que disciplinam a arrecadação e os gastos de recursos financeiros destinados à campanha eleitoral (art. 30-A da Lei nº 9.504/1997).
De início, o Ministro Og Fernandes, relator, destacou que, do julgamento do AgR-AI nº 9-24/SP de rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, julgado em 26.6.2018, Dje de 22.8.2018 pelo TSE, ficou “clara sinalização de que a propaganda eleitoral antecipada massiva, mesmo que não implique violação explícita ao art. 36-A da Lei nº 9.504/1997, poderia vir a caracterizar ação abusiva, a ser corrigida por meio de ação própria.”.
Nessa esteira, salientou que condutas praticadas no período de pré-campanha podem caracterizar abuso do poder econômico – não sendo necessário, para tanto, que os gastos realizados e os atos de propaganda sejam ilícitos –, desde que: “(a) os meios utilizados ultrapassem o limite do razoável; (b) as condutas sejam reiteradas; (c) os custos, a capilaridade, a abrangência e o período da exposição sejam expressivos”.
Ao analisar o caso concreto, o Ministro asseverou que tais requisitos se mostraram presentes, uma vez que a elevada quantidade de recursos empregados no período da pré-campanha ao cargo de senador – equivalente à metade do valor estabelecido como limite de gastos para a
respectiva campanha eleitoral – e o farto material produzido entre os meses de abril e julho no ano da eleição evidenciaram a prática de abuso do poder econômico capaz de comprometer a lisura do pleito.Além disso, asseverou a presença dos elementos configuradores do ilícito previsto no art. 30-A da Lei das Eleições, nos termos da jurisprudência da Corte, quais sejam: “(a) a existência de irregularidades que extrapolem o universo contábil; (b) a demonstração da proporcionalidade da conduta praticada em favor do candidato, considerando o contexto da campanha ou o próprio valor em si; (c) a ilegalidade qualificada, marcada pela má-fé do candidato”.
Consignou que o art. 38 da Res.-TSE nº 23.553/2017 dispõe que “[…] gastos de campanha por partido político ou candidato somente poderão ser efetivados a partir da data da realização da respectiva convenção partidária […]”, tendo em vista estarem submetidos ao registro contábil e ao limite de gastos estabelecido por lei, nos termos do art. 37 da mencionada resolução.
Assim, manteve a cassação dos diplomas de todos os beneficiários e a decretação da inelegibilidade dos diretamente envolvidos nas práticas do abuso de poder econômico e de “caixa dois”.
Vencido o Ministro Edson Fachin, ao entender, não obstante demonstrada a prática de condutas reprováveis pelos então pré-candidatos, pela ausência de prova suficiente à imposição da tão
gravosa condenação de cassação do diploma e da declaração de inelegibilidade.Ultrapassado o ponto da condenação, o Plenário analisou o pedido de assunção temporária à vaga de senador da República da chapa que logrou a terceira colocação no pleito de 2018.
Nesse ponto, ficou assentado que a cassação da chapa eleita para o cargo majoritário de senador da República implica a determinação de renovação do pleito, salvo se restarem menos de 15 meses para o fim do mandato, nos termos do art. 56, § 2º, da CF/1988.
Assim, o Plenário entendeu não ser possível a assunção provisória – enquanto não realizada a nova eleição – da chapa que alcançou a terceira colocação no pleito devido à cassação da chapa eleita.
Vencido, quanto ao ponto, o Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, por entender pela assunção, inclusive em caráter definitivo, dos integrantes da chapa que obteve a terceira colocação no resultado das Eleições 2018, sob o argumento, em síntese, de que “essas hipóteses do art. 56, § 2º, da CF realmente não seriam direcionadas às causas eleitorais de vacância do cargo de senador, mas somente às causas não eleitorais, dadas as referências numerosas à situação de manutenção dos interesses legítimos dos suplentes”.
(Recurso Ordinário nº 060161619, Cuiabá/Mt, rel. Ministro Og Fernandes, julgado em 10.12.2019).
O encerramento do mandato eletivo não acarreta a perda superveniente do interesse processual no âmbito da Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), quando o ilícito eleitoral em discussão puder implicar, também, a declaração de inelegibilidade.
Trata-se de segundo agravo interno interposto de decisão que negou seguimento ao recurso ordinário, em razão da perda superveniente de seu objeto, dado o escoamento do período correspondente aos mandatos eletivos, por não terem sido condenados durante o exercício dos cargos.
No caso, o Ministério Público Eleitoral (MPE) ajuizou AIJE em face de candidatos eleitos aos cargos de governador e de vice-governador pela prática de abuso de poder econômico nas Eleições 2014. Com o decurso do mandato eletivo, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) reconheceu a perda superveniente do objeto da ação eleitoral, ante a impossibilidade de se aplicar a medida de cassação do registro ou diploma.
O relator, Ministro Edson Fachin, relembrou que a jurisprudência desta Corte, até então, é no sentido do reconhecimento da perda superveniente do interesse de agir em AIJE, em razão do encerramento do mandato, nos termos do que foi decidido pelo TRE.
Não obstante esse entendimento consolidado, afirmou que, uma vez reconhecido o ilícito do abuso em sede de AIJE, a legislação comina, para além de eventual cassação de registro
ou de diploma, a declaração de inelegibilidade (art. 22, inciso XIV, da Lei Complementar (LC) nº 64/1990). (1)Nesse sentido, asseverou que da leitura dos dispositivos legais não se depreende a necessidade de aplicação conjunta das medidas de cassação e de inelegibilidade e, nesse ponto, propôs o reconhecimento do caráter dissociativo e autônomo das reprimendas.
Para corroborar a linha de raciocínio defendida, ressaltou que a jurisprudência desta Corte já reconheceu o interesse de agir em AIJE movida em face de candidatos não eleitos e contra terceiros responsáveis por atos abusivos que sequer participam, formalmente, das disputas. Portanto, ressaltou que nessas hipóteses permitiu-se a imposição da medida de inelegibilidade dissociada da existência de mandato eletivo.
Por fim, frisou que a restrição à candidatura prevista no art. 22 da LC nº 64/1990 não é condicionada à duração do mandato, haja vista a restrição à candidatura possuir duração distinta. Nesse ponto, concluiu não fazer sentido considerar que o encerramento do mandato retira dos recursos em andamento a sua utilidade prática, notadamente quando a declaração de inelegibilidade ainda é possível.
Assim, sugeriu mudança na jurisprudência, no que foi acompanhado por unanimidade pelos demais ministros, para reconhecer que, após o encerramento do mandato eletivo, subsiste o interesse processual no julgamento de recurso interposto em AIJE, quando o ilícito eleitoral em discussão puder implicar, também, reconhecimento da causa de inelegibilidade.
(1) XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar.
(Agravo Regimental no Agravo Regimental no Recurso Ordinário nº 537610, Belo Horizonte/MG, rel. Min. Edson Fachin, julgado em 04.02.2020).
O prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória deve ser contado a partir do trânsito em julgado da última decisão proferida, nos termos do art. 975 do Código de Processo Civil (CPC). Dessa forma, o prazo não flui enquanto não exauridos todos os recursos cabíveis contra a decisão rescidenda, inteligência aplicável também ao art. 22, inciso I, alínea j, do Código Eleitoral (CE).
Trata-se de ação rescisória proposta em face de acórdão desta Corte Eleitoral que, dando provimento a recurso especial, reconheceu a incidência de inelegibilidade por descumprimento do prazo legal de desincompatibilização e indeferiu registro de candidatura para o cargo de vereador.
No caso, o MPE suscitou prejudicial de decadência, sustentando que o prazo decadencial de 120 dias para o ajuizamento da ação rescisória teria se esgotado, sob dois fundamentos: a) a decadência deve ser contada a partir do decurso do prazo recursal para o autor, ainda que o trânsito em julgado somente tenha sido certificado nos autos após vista ao Ministério Público na condição de fiscal da lei; b) o reconhecimento do caráter protelatório dos embargos de declaração opostos pelo autor no processo principal não impede o início da contagem do prazo decadencial para a propositura da ação rescisória.
O relator, Ministro Edson Fachin, afirmou que não se pode considerar que o prazo decadencial se inicie para o autor antes do trânsito em julgado para todas as partes.
Nesse sentido, argumentou que, nos termos do art. 975 do CPC, o prazo decadencial para a ação rescisória deve ser contado a partir do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. Segundo o ministro, “a melhor inteligência deste dispositivo indica que o prazo não flui enquanto não se exaurirem todos os recursos cabíveis contra a decisão. Dessa forma, se a lei processual admite que pessoa diversa interponha recurso em prazo diverso, não há o exaurimento das medidas para a contagem do prazo extintivo. A mesma interpretação deve ser aplicada ao art. 22, I, j, do Código Eleitoral”.
Frisou, ademais, que a “celeuma acerca da rescindibilidade dos capítulos autônomos da sentença (coisa julgada parcial), alvo de intensa divergência doutrinária e jurisprudencial, não possui relação com a situação dos autos”. Pois, aqui, o que se discute é a possibilidade de que o mesmo capítulo julgado venha a ter prazos decadenciais diversos, a depender do ente que busca desconstituí-lo, o que não se pode admitir em face do postulado da segurança jurídica.
Entendimento este extraído da interpretação da Súmula-STJ nº 401 (“O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial”) e que foi recentemente reafirmado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)1.
Outrossim, argumentou que o reconhecimento do caráter protelatório de embargos de declaração, por si só, não tem o condão de permitir o início da contagem do prazo decadencial.
Segundo o relator, conforme jurisprudência pacífica do STJ2, “a pendência de recursos, ainda que venham a ser julgados intempestivos ou inadmissíveis, é suficiente para obstar a fluência do prazo decadencial da rescisória, ressalvadas as hipóteses de erro grosseiro ou de má-fé, em que o recurso é interposto com o propósito de postergar o início do prazo”.
Assim, o Tribunal, rejeitada a prejudicial de decadência, conheceu da ação rescisória, julgando-a improcedente, com amparo no entendimento de não preenchidos os requisitos do art. 966 do CPC, não sendo a via adequada para a simples reforma ou rejulgamento do processo original, em afronta à coisa julgada e à segurança jurídica.
1 Cf. Agravo Interno nos Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1622029/SC, rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 11.6.2019, DJe 14.6.2019.
2 Cf. Embargos de Declaração no Agravo Regimental no Agravo Regimental na Ação Rescisória nº 4.298/RJ, rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgados em 24.10.2018, DJe 29.10.2018.
Agravo Interno no Recurso Especial nº 1563824/SC, rel. Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 9.8.2016, DJe 12.9.2016.(Ação Rescisória nº 0604357-72.2017, Santa Helena/PR, rel. Min. Edson Fachin, julgada em 13.02.2020).
- Atraso no envio da prestação de contas parciais e desaprovação de contas de campanha Abuso do poder econômico e arrecadação e gastos ilícitos de recursos no período de pré-campanha Mudança de jurisprudência: encerramento de mandato eletivo e interesse de agir no âmbito da AIJE Início da contagem do prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória